Por Gabriel Brito
Eis então que São Paulo, a locomotiva do país (cada vez mais fora dos trilhos), inova com mais uma grande idéia para esvaziar o espetáculo: o cadastramento de torcedores organizados. Para ser breve, a idéia consiste em fichar cada integrante desses grupos e ter uma base de dados. Caso existam tumultos em algum jogo, aqueles que forem detidos serão averiguados e, se forem um dos cadastrados, sua punição será maior. Além do mais, haverá nos estádios (não planejados para isso, é claro) um setor específico para eles. E ninguém mais. Pronto, está criado o apartheid do futebol.
Torcedor organizado vai para um lado, torcedor dito 'comum' para outro. E há ainda o setor família, cantinho obscuro que cada time tem que arrumar em seu campo para contemplar essa idéia da federação paulista, em que um pai pode comprar ingressos para toda a família a um preço mais baixo (com limite de idade para os filhos, pois acima de 12 anos não é mais família) e tem um setor exclusivo para ver o jogo. Quer dizer, é na base da generalização que polícia, federação e poder público pensam estar resolvendo alguma coisa. E ainda querem criar área de fumantes no Pacaembu!
Organizados (leia-se marginal para as autoridades) vão para um canto. Família para outro. Como se todos os tipos de torcedores, digo em relação aos perfis, não pudessem conviver em paz por todo o estádio. E estou falando de torcedores do mesmo time! Grande idéia cadastrar os torcedores. Mas parece aquilo que Mané Garrincha respondeu a Feola na Copa de 58, ao receber instruções sobre como deveria driblar os adversários e cruzar: "Você já combinou com o adversário?". É a mesma coisa agora. Querem que o torcedor brigão entregue todos os seus dados antes mesmo de causar qualquer problema. Por acaso algum ladrão que planeja roubar um banco vai se fichar na polícia um dia antes?
Já passou mais de um ano desde a implantação de mais esse paliativo inútil e não se cadastraram nem 10% do contingente imaginado, pois, claro, ninguém quer ser fichado antecipadamente sem ter feito nada. Menos ainda se pretender. O único resultado visual disso é que agora nós, torcedores (alguma dessas autoridades ainda vai publicar um tratado que defina de vez o que é de fato o 'família', o 'comum', o 'organizado'...), somos obrigados a ver setores completamente esvaziados, reservado aos gatos-pingados cadastrados, enquanto que, nos outros, espreme-se o resto da galera que ainda insiste em sair de casa para ver futebol em São Paulo. Tirei fotos em diversos jogos desse ano para comprovar.
Juntam-se às proibições destacadas anteriormente a segregação do público e, a partir daí, chegamos aos três jogos de 2006 entre Corinthians x Palmeiras com média inferior a 20 mil, ao Sansão deste ano com 17 mil no mesmo dia em que o Fla-Flu amistoso levou 41 mil ao Maraca, dentre outras marcas vergonhosas para a história dos clubes e do futebol paulista.
Quem freqüenta estádio e acompanha o mundo da arquibancada sabe: o espetáculo futebolístico em São Paulo é clamorosamente mais pobre do que em qualquer outro estado de razoável expressão no cenário nacional. Ceará e Fortaleza têm um espetáculo visual e popular muito acima de um Corinthians e São Paulo, por exemplo.
Vai ficar assim mesmo?
Depois os paulistas levam a má-fama de serem menos devotos ao futebol do que os torcedores de outras praças.
O pior de tudo é ver todos se acostumarem com tal estado de coisas. A imprensa não faz queixas e críticas às patéticas marcas de público dos clássicos e do próprio campeonato. Mas não perde uma chance de publicar e inflar uma briguinha a mais. E só ouve opiniões oficiais ainda por cima.
Até quando o futebol paulista vai ser vítima de interesses políticos e pessoais, de quem usa a questão da violência para se promover? O que era Fernando Capez antes e depois desse famigerado boom de estupidez? E Major Marinho? Algumas máscaras o tempo trata de tirar, mas mesmo assim se paga um preço muito alto pelo legado que esses pára-quedistas deixam ao futebol.
Quem gosta e ama o jogo quer a festa de volta, os rojões, as milhares de bandeiras empunhadas e não só as de grupos, a chuva de papel picado quando o time entra em campo e por aí afora. É isso que conquistou cada um dos apaixonados por esse jogo, não as intermináveis proibições, maus tratos, preços elevados de ingresso, separações e arquibancadas às moscas. Alguém salve o futebol paulista dos medíocres e acabe com o modelo de 'estádio-prisão' implantado pelos 'sábios da pacificação'.
Publicado no Correio da Cidadania
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Há 13 anos
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