sexta-feira, 27 de março de 2009

Não se enganem: é só mais do mesmo

Por Gabriel Brito

A última coluna abordou os recentes problemas envolvendo torcedores (majoritariamente organizados) e policiais militares em espetáculos esportivos. Infelizmente, os acontecimentos mostraram que o tema está longe de sair da pauta dos noticiários futebolístico-policiais.

Na tarde do dia 22 de março, ao fim de Corinthians x Santos no Pacaembu, novamente a PM se enfrentou com uma torcida (a do peixe), por motivos que outra vez não ficaram esclarecidos. Enquanto isso, o governo começa a ensaiar entrar pra valer na questão e volta a atrair os olhares do público com (mais um) plano de combate à violência e outros males ludopédicos. Dentre eles causou rejeição imediata o cadastramento de torcedores, defendido pelo ministro Orlando Silva Jr., muito amigo dos cartolas, nem tanto do esporte.

O caso ocorrido na capital paulista (que, repito, é onde mais se aplica proibições de toda ordem e onde a violência mais grassa) é simbólico da nulidade de tal medida. A Federação Paulista já tinha se antecipado a essa genial idéia e promovido o cadastro de torcedores membros de organizadas. Serviria, vejam a inutilidade, para que seus membros pudessem ingressar no estádio com o fardamento da entidade à qual pertencessem. Como se roupas determinassem o grau de violência das pessoas. Mas não percamos tempo nesse ponto, que só serviu para criar a segregação da torcida dentro do estádio e não resolveu absolutamente nada. Isso porque em caso de criar algum incidente violento e ter sua carteirinha suspensa, o cidadão em questão poderia continuar freqüentando normalmente os campos, bastando abrir mão da roupa da torcida e entrar por todos os outros acessos do estádio, destinados ao torcedor dito comum. Parece tiração de sarro, mas são as autoridades do esporte “combatendo” a violência.

De toda forma, o tal cadastro da federação, que concedia uma carteirinha ao membro de torcida que se prestasse ao fichamento, reúne cerca de 22 mil nomes, uma boa base de pesquisa para identificar violentos que causassem eventuais distúrbios. Idéia muito propagandeada, matéria na Folha de S. Paulo dessa semana revelou que a lista só foi consultada 3, 4, no máximo 10 vezes. O tenente-coronel Hervando Velozo, que coordena o policiamento dos jogos, disse por sua vez que nunca consultou tal fonte.

Quer dizer, se fazem um cadastro e admitem que não o usam para nada, por que fazer outro, de abrangência nacional ainda por cima? O governo federal, e nenhum dos envolvidos nas discussões, não fez tal observação, o que mostra o desconhecimento que nossas autoridades possuem da realidade das arquibancadas. O projeto apresentado até tem seus pontos interessantes, mas o único que realmente se destaca é a criminalização do cambismo, prática realmente odiada pelos torcedores. Os outros podem ser abrangidos pelas leis existentes ou pelos próprios regulamentos de campeonatos, como no caso da manipulação de resultados. Se bem que o próprio cambismo pode ser enquadrado como crime contra a economia popular, previsto simplesmente no Código de Defesa do Consumidor.

De quebra, São Paulo escala para comandar tal processo um promotor que já se mostrou uma triste cópia do seu antecessor no palanque do combate à violência. O nome dele é Paulo Castilho. O nome dele era Fernando Capez. O segundo ganhou espaço ilimitado na mídia, alavancou sua carreira, fez fama na vida pública, se elegeu para cargos políticos e não resolveu nada. O primeiro parece ser mais do mesmo, pois já ficou amiguinho dos cartolas (os mesmos que criam climas bélicos antes dos grandes jogos, entre outras práticas bárbaras) e não se cansa de sugerir medidas claramente ultrapassadas e de eficácia desmentida pelos próprios fatos.

Falando em cartolas, como vamos mesmo erradicar a violência das praças esportivas se quem comandará o processo, e comanda os clubes, é a mesma gente que permitiu que as coisas chegassem a tais níveis? O presidente do Santos, Marcelo Teixeira, foi flagrado fazendo gestos, xingando e atirando objetos nos torcedores (dos lugares Vips, ou seja, nada de organizados) do Corinthians na partida citada. O do Corinthians, Andrés Sanchez, insuflou um clima de rixa desnecessária no São Paulo x Timão deste ano e vimos no que deu.

As relações entre as pessoas das altas esferas de poder metidas na discussão já são clara demonstração do jogo de cena que estamos presenciando. Políticos, promotores, policiais, delegados, cartolas são os grandes responsáveis pelo lamentável quadro da civilidade esportiva e são os mesmos escalados para promover a paz. Por isso que todas as medidas atingem e afetam somente o torcedor, inclusive aquele pacífico que nunca se envolveu em nada. Mexer na estrutura que é bom, nem pensar. Por isso foi limado do Estatuto do Torcedor, primeira lei assinada por Lula, o artigo que responsabilizava os dirigentes por ocorrências e ilicitudes envolvendo suas entidades. Malandro é o gato, que já nasce de bigode...

Na Inglaterra, exemplo repetido aos milhares, a violência foi combatida com medidas estruturais e estruturantes, isto é, que visavam primeiro mudar a realidade local, para depois exigir contrapartidas dos torcedores, pois concluíram que “o torcedor tratado como animal reage como animal”, como contou o pesquisador Oliver Seitz, que estuda questões relacionadas ao futebol na Universidade de Liverpool.

O relatório Taylor, famosíssimo trabalho de um lorde inglês tido como ponto de partida da efetiva mudança de realidade britânica, vive sendo citado pelos nossos cartolas, quando vêm com a cantilena de que agora a brincadeira acabou. Pois deveriam saber que o mesmo lorde Taylor rifou a idéia de Margareth Thatcher (quem mais?) de implantar um cadastramento semelhante. Disse que a questão dos estádios precisava ser focada na segurança, não na violência. Belo conceito a ser aprendido por aqui, onde só se ataca superficialmente os problemas, de todos os segmentos na verdade, e não no fundo, na origem.

Além do mais, dentre tantos documentos que já permitem nossa identificação perante o Estado, por que mais um, que só viria a burocratizar a simples e inocente (sim, acreditem) ida ao estádio? Não pensaram eles que isso certamente diminuirá o público dos jogos, pois nem todos aceitarão passar por isso, ainda mais quando se tratar daquele sobrinho de oito anos que nunca foi ao jogo? Ou de turistas que queiram conhecer o Maracanã? “Mas aí é só ter o bom senso de deixar entrar”, disse Lula. Quer dizer, a norma já começaria acompanhada do jeitinho brasileiro, que desta vez estaria até previsto em lei, uma grande inovação, reconheçamos.

Enfim, estamos diante de nova cortina de fumaça, que visa somente eximir de culpa e tirar do foco das críticas os mesmos incompetentes de sempre, que na falta de satisfações a oferecer à sociedade aparecem com ‘novas’ idéias de erradicação da violência. Pois enquanto dizem isso, se coadunam com os mesmos que chamam de marginais, concedendo ingressos e demais privilégios a quem dizem enfrentar.

A discussão continua, mas já aviso, sem medo de errar, que por enquanto nada mudará.

Texto também publicado no Correio da Cidadania.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Polícia para quem precisa!

Por Gabriel Brito

É assustadora a crescente onda de violência envolvendo a Polícia Militar no futebol brasileiro. Somente nos últimos três meses, houve ao menos um notório incidente em cada um deles. Isso em plena época em que se vende a ilusão da Copa de 2014 ao público mundial e na qual cartolas bloqueiam com todas as forças quaisquer iniciativas que ousem ir na direção oposta a seus interesses – vide os bem sucedidos lobbies de Ricardo Teixeira e Carlos Nuzman para evitar a instauração de CPI sobre CBF e COB.

Dando o exemplo de como tem sido o combate à violência no futebol, todos os episódios referidos terminaram sem punição. Em dezembro de 2008, no caríssimo e desnecessário Bezerrão (que custou 55 milhões de reais ao orçamento da cidade-satélite de Gama), um policial foi desferir uma coronhada em um são-paulino, a arma disparou e o tiro atingiu a nuca do torcedor, que morreu na hora; em fevereiro, na saída de Corinthians e São Paulo, uma explosão ainda não decifrada causou tumulto entre policiais – que, para controlar a situação, soltaram mais bombas – e corintianos, que terminou com 49 feridos; por fim, no último final de semana, PMs baianos praticaram agressões covardes contra torcedores do Fluminense de Feira de Santana.

Em todos os casos, as reações daqueles que deveriam acalmar e proteger foi de total agressividade e instinto de batalha, para dizer o mínimo; em suma, o torcedor é visto como inimigo a ser combatido. Em todos, a polícia tenta se eximir de culpa, jogando-a para o outro lado, o que é lamentavelmente acobertado ou ignorado pela grande mídia, que salvo honrosas exceções só se presta a ouvir o lado das autoridades – as mesmas que deixaram o futebol brasileira falido, órfão de seus craques e violento.

Está mais do que provado que nossos policiais não têm o menor preparo para lidar com o público numa posição autêntica de servidor público, até porque essa concepção de policial já se descaracterizou completamente. Fora isso, tampouco possuem aptidão para controlar e contornar situações de tensão, pois estão preparados para revidar, e não tranqüilizar. É assim que se vive o dia-a-dia da profissão, o que já explica muito.

No entanto, é ainda mais preocupante, em um momento no qual já não se suporta bater nas mesmas teclas do tema da violência, que a própria corporação trate de ocultar a realidade e evite uma autocrítica. No caso do clássico paulista, aconteceu algo escandaloso já nos dias seguintes ao tumulto que sabe-se lá como foi pouco repercutido: o 34º. DP da capital preparou um parecer que incriminava totalmente os torcedores corintianos, sendo que tal ‘investigação’ foi prontamente desqualificada pelo próprio coronel que chefiou a segurança do clássico. Quer dizer, a PM já aprontava mais uma armação que mancha o nome da própria instituição, em moldes mais moderados, é verdade, se comparados às suas atrocidades nas periferias das cidades. Mas como confiar a resolução dessa endemia a autoridades que promovem tão escancarada falsificação da verdade?

De toda forma, fica difícil esperar que se resolva o problema da violência quando as próprias autoridades dão seguidos exemplos de descontrole e posterior descaso em investigações que ajudariam a moralizar um pouco o debate. Aí chovem paliativos de dirigentes e promotores incapazes de propiciar soluções verdadeiras, que terminam em mais proibições, restrições, segregações, como já se vê em São Paulo há tempos, sem qualquer efetividade.

A nova baboseira da praça é a de querer limitar ainda mais, ou vetar diretamente, o acesso do público visitante. Além de desrespeito ao básico direito de ir e vir, é uma terrível confissão de incapacidade da nossa sociedade em conviver minimamente bem com o contrário, que no caso é apenas alguém que prefere outro time. Se admitimos isso, não estamos em condições de nos considerar um país civilizado, simples assim.

São Paulo já vive um estado de exceção em seu futebol que nenhum outro local do país vive, e é exatamente a praça que concentra a maior quantidade de episódios de violência. Bandeiras, instrumentos, jornal, guarda-chuva, tudo é proibido em São Paulo, e, de quebra, os preços e horários dos jogos são cada vez mais acintosos. Natural que com esse coquetel, em meio a uma cidade já caótica e brutal, os estádios paulistas virem um barril de pólvora.

No resto do país, é verdade, a coisa não anda lá muito melhor. Pode-se lembrar também do episódio envolvendo a PM de Recife e os jogadores do Botafogo, agredidos e ofendidos de forma absurda no meio do campo só porque um de seus atletas se envolvera em confusão de jogo e trocou insultos com um torcedor. Ainda por cima a Câmara dos Vereadores local concedeu medalha aos policiais pelo trabalho, em patética demonstração do mais barato bairrismo.

Por fim, e o mais importante, é inacreditável como não se investe e se utiliza mais o trabalho de inteligência da polícia. Ao contrário do que se pensa, não são necessariamente antônimos. Conhecer com antecedência o que fazem os violentos e seus pontos de encontro pelas ruas é primordial para que se anulem suas ações. Há condições de se fazer tal trabalho com eficiência e aplicar punições concretas, já existentes em lei. Muito se cobra uma legislação específica, mas já existem penas previstas para assassinatos (ou tentativas), lesões corporais, depredação do patrimônio, dano moral etc.

O futebol já está cansado de autoridades que prometem soluções definitivas, anunciam grandes punições a caminho, mas terminam se envolvendo na mesma rede de facilidades trazidas pela notoriedade pública, holofotes, trânsito nos bastidores, enfim, todo o circo que só serve para alavancar carreiras e egos pessoais. Enquanto todos os desequilíbrios sociais não forem resolvidos, não será o futebol que erradicará a violência e a intolerância de nosso convívio, mas prevenir ações anunciadas de vandalismo e posteriormente cumprir a lei ajudaria muito a mantê-lo vivo sem que seja descaracterizado.


Gabriel Brito é jornalista.
Este texto também está publicado no Correio da Cidadania (http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3016/9/)